Zeus, estando um dia ocioso no Olimpo, chamou seu filho Hermes e disse:
— Venha, vamos dar uma volta pelo mundo e testar a hospitalidade dos mortais.
Hermes, que adorava passear, concordou imediatamente. Já estava saindo junto com seu pai, quando este o deteve:
- Espere, deixe aqui as suas asas.
- Por que, meu pai? — perguntou Hermes.
— Não seja tonto — disse Zeus. — Se nos apresentarmos como deuses, obviamente que seremos bem recebidos por todos.
Hermes concordou e, após desfazer-se de suas asas, seguiu junto com ele. Tão logo chegaram à Terra, começaram a percorrer as estradas da Frígia, como se fossem dois pobres andarilhos. Em alguns instantes estavam suados e cobertos de pó. De repente, avistaram uma bela casa de campo. Bateram à porta por um longo tempo, até que surgiu do alto de uma janela uma pequenina cabeça.
— O que querem, vagabundos? — gritou alguém, com irritação.
— Somos viajantes, bom amigo, e precisamos descansar — respondeu Hermes.
— Dêem o fora! — disse a pessoa à janela, desaparecendo em seguida.
Os dois viajantes, desgostosos com seu primeiro insucesso, partiram sem nada dizer. Era um dia quente e úmido, e o sol estava exatamente acima de suas cabeças. Enquanto retomavam seu caminho, Hermes tentava acalmar a ira de seu pai, que já se preparava para lançar naquela casa um de seus terríveis e vingativos raios.
— Calma, pai! Não podemos tomar como exemplo um único caso. Tentemos aquela outra casa, lá adiante.
De fato, um pouco mais além havia uma outra casa, um pouco menor do que a anterior, mas muito bem cuidada. Os dois andarilhos chegaram à porta e outra vez prepararam-se para pedir abrigo.
— Veja, pai, parece que há aqui alguma festa — disse Hermes, ao escutar no interior um alarido de risos e de pratos. — Certamente que também nos convidarão para ela.
- Zeus, no entanto, tinha um ar cético.
Hermes, temendo o pior, antes de bater à porta passou a manga de sua túnica esfarrapada pelo rosto, a fim de melhorar o seu aspecto. Enquanto isto Zeus já tomara a frente e esmurrava a porta. Depois de quase pô-la abaixo, viu surgir um rosto gordo e inchado.
— Pois não, senhores! — disse o homem, com um forte hálito de vinho.
— Boa-tarde, meu bom homem — disse Hermes. — Somos viajantes, e o sol inclemente impede que prossigamos nossa jornada. Poderíamos fazer aqui nosso descanso e uma breve refeição, para que possamos renovar nossas forças?
— Desculpem-me, mas não posso recebê-los agora — disse o bêbado. -Minha filha casa hoje e estou recebendo agora os meus convidados.
Mas, tomado por um acesso brusco de generosidade, chamou a criada e disse-lhe:
— Traga um prato com alguma coisa para estes dois aí!
Depois, virando as costas, sumiu-se de novo para o interior da casa. Trinta minutos se passaram até que a criada, abrindo uma fresta mínima na porta, passou pelo vão um pequeno prato, com as sobras ajuntadas de dois ou três convidados.
— Deixem o prato aí e desapareçam — disse a criada, com uma voz áspera. Mas, ao introduzir o prato no estreito vão, ela o inclinara de tal modo que virara no chão a metade do seu conteúdo. Cinco ossos com alguns nacos de carne era tudo o que restava da estreita generosidade daquela alegre e festiva casa. Hermes ainda os estudava, na esperança de encontrar algo que pudesse revelar-se como um sinal de autêntica generosidade, sem ousar erguer os olhos para seu colérico pai. Zeus, por sua vez, depois de mirar com fúria a casa, partiu, procurando de qualquer modo controlar o seu gênio.
era adiantado da tarde quando chegaram, sedentos e famintos, à porta de uma terceira casa. Esta, embora modesta, parecia ainda a salvo da miséria. De dentro das suas paredes escapava o ruído contínuo e vigoroso de um sopro, como se um grande fole trabalhasse ali sem trégua. Hermes bateu à porta uma, duas, dez vezes. Um murmúrio fez-se ouvir de uma das janelas, ao alto. Uma sombra por detrás da cortina revelava que alguém espiava, desconfiado. De repente, porém, liberta do medo, a pessoa afastou, de par em par, os dois panos. Era uma mulher, que segurava um lençol à frente do seu torso nu.
— O que querem, mendigos? — perguntou a mulher, impaciente, enquanto ajeitava os cabelos.
Zeus e Hermes entreolharam-se, em dúvida.
— Vamos lá, que tenho mais o que fazer! — exclamou a mulher, deixando cair a proteção, com um ar distraído.
Às suas costas, uma voz masculina disparou um desaforo.
— Só queremos um pouco de repouso e algum alimento! — disse Hermes.
— Eles querem repouso! — disse a mulher, virando-se para dentro, num tom de deboche.
Um homem surgiu, então, por detrás dela e disparou outro desaforo aos dois andarilhos, fechando em seguida, com estrondo, a janela. Zeus e Hermes tiveram de seguir novamente o seu caminho sob o ruído estridente do fole que começara a trabalhar lá dentro, outra vez, a toda fúria.
Já estavam exaustos, quando chegaram, afinal, à frente de uma humilde choça, coberta de palha. Com receio de derrubar a frágil porta, Zeus bateu palmas, enquanto Hermes, um pouco mais atrás, apenas o observava, sem acreditar em mais nada. De dentro da choupana, entretanto, surgiu o rosto enrugado de um velho.
— Bom-dia, meu senhor— disse Zeus. — Somos dois andarilhos e gostaríamos...
Antes, porém, que Zeus concluísse, a porta foi escancarada.
— Entrem, por favor — disse o velho, dando-lhes a passagem.
Os dois, surpresos, entraram na casa. Embora já estivesse um pouco escuro ali dentro, a casa ainda não tinha iluminação alguma. Da penumbra avançou para eles uma velhinha, toda encurvada, que os cumprimentou de maneira discreta. Ele chamava-se Filemon, e ela, Baucis. Casados há muitos anos, viviam desde então naquela modesta casa, enfrentando juntos as privações naturais da pobreza. Não tinham criados nem filhos.
— Por favor, sentem-se aqui — disse Filemon, estendendo duas cadeiras aos visitantes, tomando antes o cuidado de forrá-las com um pouco de palha limpa.
Enquanto isto, Baucis tentava reavivar um resto de fogo que ainda se escondia por debaixo das cinzas. Filemon, por sua vez, arrancou alguns gravetos da cobertura da choça, retirando também dos caibros um pouco da palha que protegia a casa das constantes chuvas. Baucis dirigiu-se à horta e de lá retornou trazendo um maço de verduras e as lançou com gosto dentro de uma vasilha. Filemon pegou a faca e cortou um bom pedaço do toucinho que pendia do teto. lançando-o na sopa, indo logo em seguida conversar com seus visitantes, para que estes não se sentissem abandonados.
Baucis pegou a melhor toalha que possuíam, toda velha e cheia de furos de traças; ergueu-a para o alto duas ou três vezes, inflando-a, até que a peça desabou exaurida sobre a madeira escura da mesa, com o ânimo triste e abatido das mortalhas. A sopa, a essa altura, já estava pronta. Baucis trouxe logo para a mesa a panela de barro fumegante. Em seguida, depositou sobre a mesa um cesto contendo um pão, ainda em bom estado, e um pequeno pedaço de queijo. Para completar, o velho anfitrião retirou de seu esconderijo uma garrafa de vinho.
— Os senhores nos perdoem se não for o bastante — disse o velho, obsequioso. depositando a garrafa diante de Zeus -, mas é a única que nos restou.
Começaram todos, assim, a se regalar como podiam com aquela prosaica refeição.
— O senhor não bebe? — disse-lhe, de modo vago, Zeus.
O velho, afetando uma dor de lado, fez que não. No entanto, ao voltar os olhos para sua querida garrafa, percebeu que ela estava, diante de si, cheia até o gargalo, embora os visitantes estivessem com seus copos também cheios, até as bordas. Compreendendo tudo, o velho ergueu-se, assombrado:
— Zeus todo-poderoso! — exclamou Filemon, virando-se para sua esposa. — Baucis, é o pai dos deuses quem temos diante de nós!
A pobre velha, engasgando-se, teve de ser socorrida pelo filho de Hermes, antes de entender direito o que se passava.
Que vergonha! — exclamava Filemon, cobrindo o rosto com as mãos. -Veja, Baucis, querida, o que temos a coragem de servir para Zeus e seu filho...
Zeus, entretanto, acalmou os dois velhos, dizendo-se muito satisfeito com aquela refeição. E ordenou aos amáveis anfitriões:
— Agora, levantem-se e me acompanhem.
Zeus saiu porta afora, levando atrás de si os dois velhos, que, apoiados com dificuldade em seus cajados, procuravam acompanhar o passo firme dos dois deuses. Subiram todos à montanha vizinha e, uma vez ali, Zeus perguntou-lhes o que mais desejavam na vida.
Depois de conversarem baixinho por um bom tempo, os dois velhinhos chegaram a um acordo.
— Queríamos a graça de não sobrevivermos um ao outro — disse Filemon. Tão logo terminou de falar, um terrível temporal desabou sobre a campina onde ficava a humilde choça. Os dois velhos, aterrados, viram então todo o vale cobrir-se de água, fazendo desaparecer todas as outras casas onde os deuses haviam sido mal recebidos. Passaram, assim, mortos, na corrente raivosa das águas, o primeiro anfitrião, que sequer lhes ouvira o pedido, depois o velho bêbado, junto com dezenas de seus convidados, e, finalmente, o casal de amantes, abraçados em meio à correnteza.
A modesta choupana de Filemon e Baucis também parecia ruir, o que arrancou de Baucis um grito de terror:
— Filemon querido, nossa casa também se vai!
No entanto, no lugar da choupana que ruíra, colunas de mármore levantavam-se. Escorado sobre elas repousava um magnífico e solene teto de ouro. Paredes, também do mais fino mármore, fixavam-se, além de uma magnífica porta prateada, onde figuravam os mais belos baixos-relevos.
— A partir de hoje vocês serão os sacerdotes exclusivos deste templo! — disse-lhes Zeus, retirando-se com seu filho, sob os olhos agradecidos dos velhos.
Passaram a viver ali, em meio à fartura, Filemon e Baucis, até a mais extrema velhice — pois Zeus ainda lhes acrescentou muitos anos de vida, repletos de saúde. Mas, como tudo tem um fim para os mortais, um dia, quando ambos estavam sentados nos degraus do palácio, Baucis deu um grito:
— Filemon, o que é isto em seus pés?
Um tufo de ervas começara a surgir do velho, enquanto ele falava. O mesmo fenômeno repetia-se com a sua esposa, que já tinha as pernas inteiras recobertas de vegetação. Aos poucos seus corpos foram recobrindo-se de folhas, até que em poucos minutos viram-se ambos transformados em duas belas e imponentes árvores, de raízes e galhos entrelaçados para sempre.
5 comentários:
Aaaaaiiii, que linda história, amei, não a conhecia.
Querida estou meio sumidinha só dos comments, mas sigo tudo pelo meu reader, ando um tanto atarefada, mas cá estou.
Bjo no coração;)
Celina
Vou te contar um segredo: amo mitologia, principalmente a grega. Comprava varios livros sobre isso e lia tudo que aparecima, mas ultimamente não tem dado...
Adoro quando posta este tema!
bj
Deyse, muito bacana ;)
Beijão e um ótimo final de semana para vc!
nandapezzi.blogspot.com
Oi, Dayse!
Eu acho essas histórias muito interessantes e cheias de significado!
Beijos
Vanessa Sagossi
comentandoofilme.blogspot.com
Vanessa são repletas de significado, termos que usamos ate hoje a maioria é mitologia grega, e Beta vou postar mais, eu tenho o livro no notebook achei que tinha perdido o arquivo!!!
Que bom que vocês também gostam quando falo de cultura aqui no DJ!!!
Bjins
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