Diálogo - DJ Blog

Diálogo

Publicado em quarta-feira, 23 de março de 2011


Toca a campainha e o homem vai abrir a porta, não sem antes dar um passo de dança. Na porta está uma mulher. No caso, “mulher” é eufemismo. Ela é mais do que isto. Se Deus fosse mandar uma amostra do Seu trabalho para concurso, mandaria ela. Preciso me lembrar desta frase para dizer depois, pensa ele.

– Alô – diz ela.
– Alô. Entre.

Ela entra e olha em volta.

– Eu sou a primeira?
– Não. Desde os 15 anos que eu... Ah, você quer dizer a primeira a chegar. É, é.
– Bonito, seu apartamento.
– Depois que você chegou ele ficou.
– O quê?
– Bonito.
– Mmmm.

Que diálogos, pensou ele. Que diálogos! A noite prometia.

– Me dê seu casaco, sua bolsa...

Ela dá. Ele fica parado ao seu lado. Ela diz:

– Eu não vou tirar mais nada...
– Ah. Certo, certo.

Ele vai guardar o casaco e a bolsa. Ela examina a sala do apartamento. Em cima da mesa de centro há um balde com uma garrafa de champanhe em água gelada e dois copos compridos. O homem volta. A mulher diz:

– Você não falou que ia ter uma festa?
– Onde você estiver, é uma festa.
– Mas você disse que haveria convidados.
– Sim.
– Eu só vejo dois copos.
– Yes.
– E os outros?
– Que outros?
– Os outros convidados.
– Mmm. Sim. Bem. Se eles chegarem, eu...
– “Se”? Quer dizer que eles podem não vir?
– Pode ter havido um esquecimento.
– Eles podem ter se esquecido de vir à festa?
– Ou eu posso ter esquecido de convidar...
– Já vi tudo. A festa é só nós dois.
– Eu prefiro grupos pequenos. Você não?

Que timing. Que marcação. E não tem ninguém gravando isto!
A mulher sorri e rodopia no meio da sala. Seu vestido branco esvoaça.
Que pernas, que noite! Ele serve champanhe para os dois. Ela fala.

– Vou avisando uma coisa...
– O quê?
– Esta noite eu sou a Cinderela.
– Cinderela? Por quê?
– Até a meia-noite me comportarei como uma dama...

Ele ensaia um passo, arqueia uma sobrancelha e pergunta:

– E à meia-noite?

Ela o afasta com a mão.

– À meia-noite eu saio correndo.
– Não há por que se preocupar. Se você é Cinderela, eu serei seu servo, seu cocheiro, seu escravo.
– Então me serve mais champanhe, servo.

Ele serve, pensando: “Tomara que ela diga que as bolinhas do champanhe fazem cócegas no seu nariz...”.

– As bolinhas do champanhe fazem cócegas no meu nariz...
– Isso eu também faço e não sou champanhe.
– O quê?
– Cócegas no seu nariz.
– Não entendi.
– Esquece, esquece.

Não se pode acertar todas, pensa ele.

– Você não quer conhecer a minha biblioteca? – pergunta.
– Quero.– Venha. Traga o seu copo.
– Mas, espere... Ali é o seu quarto.
– Minha biblioteca fica no quarto. Os dois livros, ao lado da cama.
– Então traga para cá.
– A cama?
– Os livros.

Ele a enlaça pela cintura. Rodopiam juntos, depois caem no sofá. Ele pega a garrafa de champanhe e serve mais um pouco.

– Acho que você está querendo me embebedar...

Quem diz isto é ele.

– Se você já abriu o champanhe agora, o que é que nós vamos abrir à meia-noite? – pergunta ela.
– Talvez um zíper ou dois...

Preciso me lembrar de tudo isso para contar depois, pensa ele. De algum lugar no apartamento vem a voz de Frank Sinatra.

– É meia-noite.
– Como é que você sabe?
– Meu cuco.
– Pensei que fosse o Frank Sinatra...
– A imitação não é perfeita? Ele usa até o mesmo tipo de chapéu.

Ela tenta levantar do sofá.

– Hora de ir embora...
– Daqui você não sai, Cinderela.
– Mas você não disse que era o meu servo?
– Disse.
– Pois eu estou ordenando que você me leve para casa.
– Não.
– Por que não?
– Porque bateu meia-noite e eu me transformei num rato! Feliz Ano-Novo.

Meia hora depois, ela está nua, embaixo dos lençóis, e ele está numa mesa do quarto, escrevendo.

– Você não vem? – pergunta ela.
– Só um pouquinho. Estou tomando umas notas para não esquecer nada depois. Quando você falou que o champanhe fazia cócegas no seu nariz, o que foi que eu disse mesmo?

Luís Fernando Veríssimo

6 comentários:

Camille disse...

o veríssimo eh mt bom!hiuahiuhiuha
ele escreve mt bem!
bjs

sacheebombom.blog.com

Simone disse...

Os textos dele são bem legais adorei querida
que bom que comprou um Oxford eles são bem confortáveis você não vai querer tira-los dos pés juro ;)

Beijux Deyse

http://soumagarota23.blogspot.com

Anônimo disse...

Só podia ser Veríssimo, não conhecia esse texto tbm. Tô aprendendo muito de Veríssimo por aqui, muito bom.
BjoBjo;)
Celina

Evandro Pezzi disse...

Deyse, adoro!!!!! Muito bom!

Beijos linda, ótima quinta para vc!

nandapezzi.blogspot.com

Simara Pink disse...

Que legal adorei a historinha.Te aguardo por lá viu seja bem vinda ao meu cantinho.
/(,")\\
./_\\. Beijossssssssss
_| |_................ simara
http://plantaodabeleza.blogspot.com/

Deyse Joyce disse...

Os textos dele são puro luxo né meninas, me acabo de rir, e esse é antigo.

Bjins



@dejotablog