(Imagem: Reprodução)
Ela disse:
― Fiz uma descoberta terrível.
Ele disse:
― Ahn?
Ela disse:
― Descobri que a vida que eu vivi não era a minha.
Ele, sem desviar os olhos da televisão:
― Como assim?
― Minha vida, entende? A vida que eu vivi até hoje. Não era a minha.
Ele olhou para ela:
― Em que sentido?
― Eu simplesmente vivi a vida de outra pessoa. Sempre tive esta estranheza com as coisas que me aconteciam. Com os meus gostos, por exemplo. Nunca entendi o meu gosto por, sei lá, fígado. Beterraba. Quem é que gosta de beterraba? Tem loucura por beterraba? Eu tenho. Mas agora entendo. Não era eu. Eu estava vivendo a vida de outra pessoa. Meus gostos são de outra pessoa. Minhas decisões, minhas opiniões, tudo o que me aconteceu até agora...
Ele examinou o rosto da mulher por algum tempo, depois voltou os olhos para a televisão. Talvez fosse melhor deixar ela esgotar aquela idéia sozinha.
Ela continuou:
― Você, por exemplo. Eu nunca casaria com um homem como você.
― Sei.
― Só uma pessoa que adora beterraba casaria com um homem como você.
― Está certo.
― E, meu Deus! Acabei de me dar conta...
― O quê?
― Deve ter outra pessoa vivendo a minha vida.
― Sei.
― Pense só. Neste exato momento, tem uma pessoa no mundo vivendo a minha vida enquanto eu vivo a dela. Uma pessoa com os meu gostos, com a minha biografia certa,com o marido que eu escolheria. E ela deve ter a mesma sensação de estranheza, de...
― Meu bem...
― O quê?
Ele indicou a televisão com as duas mãos e disse:
― Precisa ser durante o Jornal Nacional?
Ela saiu da sala pisando forte, furiosa. Pensando: na sua vida de verdade aquilo nunca aconteceria.
Luís Fernando Veríssimo.
4 comentários:
Ótimo texto, ótimo autor.
Beijos
Jéssica
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ótimo texto do Veríssimo.
beijos
Tadinha... eu também iria ficar furiosa com ele, nem prestou atenção no que ela falou, preferiu o jornal do que escutá-la? Ai 'tá de brinks!' rsrs
Beijos amiga. ♥
Veríssimo. Como sou fã!!
Amei Deyse!!
Beijos, ótimo restinho de tarde!
Nanda
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