(Imagem: Reprodução)
Ele chegou em casa do trabalho mais cedo e, embora não tivesse planejado assim,num momento estrategicamente feliz: depois da saída da empregada e antes da chegada das crianças.
A mulher estava na cozinha, arrumando as coisas que trouxera do supermercado.
― E a Luíza?― Já foi.
― E as crianças?― Ainda é cedo.
Quando ela levantou a cabeça para ver por que ele ficara parado ao seu lado, em silêncio, deu com o sorriso dele.
― Que foi?
― Vai ser agora.
― Cê tá doido?
― Agora e aqui. Ele já estava tirando o casaco.
― Cê tá doido.
― Nós nunca fizemos na cozinha.
― Espera um pouquinho... Ele estava tentando abrir os dois zíperes ao mesmo tempo, dos jeans dela e das próprias calças.
― Espera! Ela mesmo abriu o zíper e despiu os jeans, depois a calcinha. Ele estava pulando num pé só para arrancar as calças.
― Onde?
― Aqui. Na mesa. Vem.
― Não! As compras do súper.
― Não interessa.
― Tem ovos!
― Então em cima do fogão.
― Não! Está aceso. A Luíza deixou um...
― Em cima do balcão. Assim. Senta assim e...
― Ui!― Que foi?
― Sentei em cima dos congelados.― Vem mais pra cá...
― Cuidado as facas!― Ai!
― Cortou? ― Sei lá.
No chão. Vai no chão mesmo.
― No chão não. No chão não!
― Então onde?― Na sala.
― Na sala. Vamos.
― Me carrega.
― O quê? Ela já estava abraçada nele. Braços e pernas. Ele saiu cambaleando da cozinha. Entre a cozinha e a sala ficava a sala de jantar.
― Vai ser aqui mesmo ― disse ele.Tentou soltá-la em cima da mesa. Não agüentaria carregá-la até a sala. Ela gritou:― As frutas da mamãe!
Eram frutas de vidro que ornamentavam o centro da mesa.
― Nunca gostei dessas frutas.― Pra sala!
― ordenou ela, pulando no seu pescoço outra vez. A caminho do sofá ele tropeçou num brinquedo e quase caiu. O sofá também estava coberto com coisas das crianças. Até uma planonda. Ele tentou levá-la para o tapete, mas ela protestou:
― No chão eu não quero.
― Isso já é preconceito, pô.
― Vamos pro quarto.― E quarto é lugar pra isso? Ela se descolou dele, pôs os pés no chão e voltou para a cozinha.
Ele abriu um espaço, a golpes irritados, entre as coisas das crianças no sofá e sentou-se. Em cima de um bichinho da Parmalat, que jogou longe.
Quando ela reapareceu na porta da cozinha já tinha vestido os jeans.
― Me ajuda a guardar as compras?
― Não.― Depois a gente pode usar a mesa...
― Agora é tarde. Há muito tempo que é tarde, pensou ele.
E, mesmo, aquela agitação não fizera nada bem para sua coluna.
Gritou para a cozinha:
― Quando vier daí, traz as minhas calças.
Luís Fernando Veríssimo.
2 comentários:
kkkkkkkk, boaaaa!!
BjoBjo;)
Celina Alves
Luxos e Luxos
Oba, adoro esses textos do Veríssimo que você seleciona! Sempre tem uma dose de ironia que é demais!
Bjos, linda!
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