Vizinhos de porta, ele o 41 e ela o 42.
Primeiro lance: ela. Bateu na porta dele e pediu açúcar emprestado para fazer um pudim.
Segundo lance: ela de novo. Bateu na porta dele e perguntou se ele não queria provar o pudim. Afinal, era co-autor.
Terceiro lance: ele. Hesitou, depois perguntou se ela não queria entrar. Ela entrou, equilibrando o prato do pudim longe do peito para não derramar a calda.
― Não repara a bagunça...
― O meu é pior.
― Você mora sozinha? Sabia que ela morava sozinha. Perguntara ao porteiro logo depois de se mudar. A do42? Dona Celinha? Mora sozinha. Morava com a mãe mas a mãe morreu. Boa moça. Um pouco... E o porteiro fizera um gesto indefinido com a mão, sem dizer o que a moça era. Fosse o que fosse, era só um pouco. A conversa começou com apresentações e troca de informações ― "Nélio","Celinha", "Capricórnio", "Leão", "Daqui mesmo", "Eu também" ― e continuou enquanto comiam todo o pudim, que estava ótimo. Mas quando ela disse "Como a gente se entendeu bem, né?", cobrindo a mão dele com a dela, ele decidiu dar um lance preventivo e declarou que não queria envolvimentos em sua vida.
Queria ser um homem sem envolvimentos. Entende? Sua decisão de vida era não ter envolvimentos.
― Como, envolvimentos? ― perguntou ela.
― Envolvimentos ― explicou ele.
Antes de sair, com a cara amarrada, ela disse:
― Me empresta uma gilete?
― Gilete? Eu não uso gilete.
― Não faz mal, eu tenho em casa.
E saiu, pisando firme e sem olhar para trás.Uma hora depois, bateu na porta.
― Esqueci o prato do pudim. Ele viu que ela tinha cortado os pulsos. O sangue pingava nas lajes do corredor.
― O que é isso?! E todo o tempo, enquanto ele estancava a sangueira da melhor maneira possível, e acolocava no seu carro, e a levava em disparada para o hospital, ela só repetia:
― Ué, não era você que não queria envolvimentos? Não era você?
― Você já conheceu a tia Vitória?
― Já. Como é que você sabe?
― A tia Vitória? A da alergia crônica? Muito andei com ela. Levei até emacupuntura.
O Tuinho também. Fui eu que arranjei vaga na escola pra ele.
O primo Alaor...Durante um ano, não fiz outra coisa senão cuidar da família da Celinha.
― Mas como...― Ela pediu açúcar emprestado, não foi? Depois trouxe o pudim. Comigo foi amesma coisa. Quando eu vi, estava envolvido com a vida dela. Estava servindo deenfermeiro, de motorista...
Mas ela é uma boa moça. Só um pouco...
― É.― Aceite um conselho. Jamais desconte um cheque do Alaor.
― Sei. Obrigado. Eu... já vou indo.
― Certo.― Tenho que buscar o Tuinho e levar na aula de judô.
― Eu sei, é quarta-feira.
Luís Fernando Veríssimo.
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2 comentários:
Muito bom! Adorei!
Bjos
Mirian
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Deyse como vc ja sabe adoro Veríssimo!!!
Beijos
nandapezzi.blogspot.com
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