Néfele, esposa do rei Atamas, foi repudiada pelo marido em favor de outra mulher. Ela, que até há pouco era senhora das vontades do rei, agora tinha de vê-lo sob a influência nefasta de Ino, filha de Cadmo, a nova e perversa rainha.
Antes da separação, o casal de reis havia tido um casal de filhos, Frixo e Hele. Ora, a nova esposa de Atamas não queria saber de herdeiros que não tivessem o seu sangue — razão suficiente para decidir pela morte de ambos.
Quero esses dois jovens mortos o mais breve possível" disse Ino a si mesma, ainda no leito de núpcias, enquanto o rei percorria o seu corpo com lábios ardentes.
Na manhã do dia seguinte, a nova rainha chamou à sua presença os dois jovens e lhes deu para comer todas as sementes que havia no reino.
— Vamos, comam tudo — disse Ino, que havia mergulhado as sementes no mel para agradar ao paladar dos garotos.
Ao cabo de algumas horas, com os dedos e as faces lambuzadas, ambos haviam dado conta da tarefa.
— Tem mais? — perguntaram os jovens.
— Oh, não, queridos, infelizmente se acabou... — respondeu satisfeita a rainha, pois não havia mais semente alguma no reino.
Em conseqüência, o reino todo foi assolado por uma terrível fome. Apavorado, o rei decidiu enviar um mensageiro ao famoso oráculo de Delfos, para saber o que deveria fazer. Mas Ino, quando o mensageiro passou diante do seu quarto, rumo a Delfos, puxou-o para dentro, com uma força surpreendente para seus delicados braços, e com uma voz sensual prometeu-lhe tudo, inclusive um saco de moedas de ouro, se ele fizesse o que ela mandava. Esses poderosos argumentos espantaram de vez o medo do servidor.
— Diga e eu o farei — capitulou o mensageiro.
— Quero que vá ao oráculo, como determina meu marido. Mas preste atenção: quando voltar, diga ao rei que a única solução para a fome é o sacrifício ritual de seus dois filhos.
— Entendi perfeitamente, adorável Ino! — disse o mensageiro, colando os lábios ao ombro alvo e perfeito da rainha, que o repeliu suavemente.
— Não seja atrevido! — disse a rainha, desvencilhando-se dos seus braços. Quer a recompensa antes de cumprida a tarefa?
O mensageiro engoliu em seco ao ver as costas nuas da rainha afastando-se resolutas. No mesmo dia partiu, decidido. Um mês depois, o lacaio apresentou-se diante do rei e repetiu as palavras que Ino lhe mandara dizer. O rei, profundamente abatido com a obrigação que os deuses lhe impunham, acabou cedendo e determinou que assim se fizesse. A rainha, ao saber da decisão, exultou. Depois, ordenai secretamente a um assassino que pusesse um fim à vida do mensageiro. Temendo, porém, que o assassino revelasse algo, ordenou a um segundo assassino que eliminasse o primeiro. Mas esse segundo matador tinha um ar pouco confiável, razão pela qual a própria Ino acabou por matá-lo com seu próprio punhal.
Néfele, a ex-rainha, já havia tomado conhecimento do perigo que filhos corriam. Por isso, recorreu ao auxílio do deus Apolo, pedindo que a ajudasse a salvar Frixo e Hele.
— Esteja tranqüila, Néfele — disse-lhe o deus. — Enviarei aos dois um de fuga.
Poucas horas antes de se cumprir o sacrifício, um grande carneiro dourado entrou voando pela janela do quarto onde os dois jovens aguardavam, aflitos o fim dos seus dias.
— Veja, Frixo! — disse Hele, espantada ao ver o animal.
— É um carneiro! E veja que pêlo magnífico! — disse o irmão, boquiaberto.
De fato, a pelagem do animal era toda tecida com fios de ouro. Parecia que o próprio sol havia adentrado o quarto de ambos.
— Nada temam, meus jovens — disse o carneiro do Velocino de Ouro. -Vim para levá-los para longe da ira de Ino — completou, oferecendo as suas douradas costas para que Frixo e Hele nelas montassem.
Antes de partir, o carneiro mandou que os dois jovens se segurassem bem e não olhassem para baixo. Num segundo, o animal lançou-se ao espaço, com sua preciosa carga. Cavalgando o ar, foi subindo rapidamente em direção ao azul do céu. Os cabelos de Hele, da mesma cor do pêlo do animal, esbatiam-se ao vento, enquanto Frixo fazia tudo para manter-se agarrado no carneiro, cego para tudo o mais.
— Veja, Frixo! — dizia a jovem, que não tinha olhos bastantes para admirar as estonteantes paisagens, que passavam num turbilhão aos seus pés.
De repente, o carneiro meteu-se no meio de um aglomerado de nuvens tempestuosas. Raios prateados esgrimiam ao redor dos três, como se eles estivessem em meio a um terrível duelo travado no espaço.
Atingido na cauda por uma faísca, o carneiro empinou suas patas dianteiras para cima, e isto foi o fim da infeliz Hele. Perdendo de vez o equilíbrio, as suas mãos agarraram o vento, enquanto as suas pernas desprendiam-se da sua condução. Frixo, no entanto, nada pôde fazer, pois continuava agarrado com todas as forças ao pêlo do animal, esquecido até da própria irmã.
— Frixo, estou caindo! — gritou ainda Hele, num último apelo.
Mas a sua voz ecoou no vazio, e o seu corpo caiu no estreito marítimo que separa a Europa da Ásia, afundando para sempre em suas águas profundas. O carneiro ainda passou por várias vezes rente à superfície agitada das águas, mas não pôde resgatá-la dali. O estreito passou a ser chamado de Helesponto, em homenagem à desditosa Hele.
Frixo, desesperado, acrescentou muitas lágrimas às salgadas e agitadas águas do mar. Depois que viu que seu pranto era inútil, retomou, sozinho, a viagem, montado sempre no carneiro de ouro, rumo à distante Cólquida.
— Estamos chegando — disse o carneiro, ao avistar as terras do novo país. Frixo, no entanto, não pôde alegrar-se como esperava, pois não tinha mais com quem compartilhar a sua felicidade. Depois de ser bem-recebido pelo rei do país, o jovem foi ao templo de Apolo, agradecer a ajuda que obtivera. Ali receber do deus a ordem para sacrificar, ele próprio, o carneiro de ouro.
Desse modo singular, teve o carneiro recompensados os seus serviços. Ou talvez recebesse a punição por haver deixado perecer na fuga a infeliz Hele. O fato é que após o sacrifício o pêlo dourado do carneiro foi arrancado cuidadosamente e colocado numa gruta, sob os cuidados de um terrível dragão. Ali esteve durante longos anos guardado, até que um dia o aventureiro Jasão se decidiu a ir buscá-lo, na companhia dos seus amigos argonautas, enfrentando a ira da terrível sentinela.
Mas esta é uma outra história.
Imagem: Reprodução.
Texto: as 100 melhores histórias da mitologia grega.
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